O inventário de cenas que Arkanjo reúne nos convida a participar disso que vamos chamar de intimidade das ruas. E não se trata de quaisquer ruas, nos deparamos com as ruas de uma cidade de 24 mil habitantes no interior do Brasil. Não existe anonimato nas ruas de uma cidade pequ¬ena como a nossa. Sair às ruas significa entrar no jogo de ver e ser vista, já que, aqui, as esquinas perguntam pelo seu nome e as praças conhecem as histórias que vivemos ali. O trabalho de Arkanjo parte, portanto, dessa coragem de documentar e tomar parte nos vínculos estabelecidos nesses espaços comuns.
Não por um acaso, a superfície que recebe pela primeira vez essas fotografias impressas não são as galerias de um museu, mas as paredes do Mercado Municipal. Em meio às bancas de verdura e os rolos de fumo, entre os caixotes de madeira, os licores e as cachaças, estão as imagens. Ofertadas aos olhos de quem passe por ali.
No acervo de Arkanjo existe uma grande variação de formatos nas fotografias, com diferenças de nitidez e resolução entre elas, fruto de quem trabalha com equipamentos distintos, muitas vezes longe de serem considerados ideais. Essa variação nos parece revelar uma pulsão própria dos apaixonados pela imagem, nada vai interromper o desejo de criar. Se não está ao alcance das mãos o equipamento ideal, a foto não vai deixar de ser captada. As fotos de Arkanjo são imagens que correm nas redes sociais, encontrando ali não só uma perspectiva de difusão do trabalho, mas também a possibilidade de armazena-lo em algum lugar. Muitas das imagens que estão impressas nesta exposição já foram comprimidas, baixadas, repostadas e editadas, quase como pessoas que andam pra lá e pra cá, alterando-se no caminho, transformando o que poderia ser reduzido ao estatuto do precário em uma obra em pleno movimento.
As cenas de trabalho e os momentos de festa, a brincadeira das crianças e a lida dos mais velhos, a fúria do rio depois da chuva e os bois pisando as pedras do centro. Fragmentos de uma cidade viva, feita das pessoas que nela vivem e dos espaços por onde circulam. O que vemos nestas imagens é a experimentação da fotografia como um permanente exercício de relação e construção de memória. Toda cidade merece ter alguém com olhos que saibam guarda-la, e é com essa alegria, de ter os olhos de Arkanjo entre os nossos, que abrimos a exposição A vida das ruas.